Death Café: encontros para falar sobre a morte

Iniciativa de 2011 rodou o mundo, está no Brasil desde 2015 e chegou neste ano ao Rio de Janeiro

O bolo era de festa, cuidadosamente decorado com pasta americana. O café era à vontade: havia garrafas e copinhos para quem quisesse se servir. E o clima daquela manhã de sábado não poderia ser mais carioca: a temperatura marcava 29 graus Celsius na esquina da Avenida Ataulfo de Paiva com a Rua Almirante Guilhem, no Leblon, Rio de Janeiro, onde, no segundo andar de uma cafeteria, estava prestes a começar um encontro sobre a morte. Isso mesmo. Todos os que ali chegavam queriam — a maioria precisava — falar sobre o tabu mais popular do mundo.

O Death Café, iniciativa que surgiu em 2011 a partir das ideias de um antropólogo suíço e que já existe em 65 países, desembarcou no Rio de Janeiro em janeiro de 2019. Aquele sábado ensolarado de 30 de março era a terceira vez que o encontro acontecia em terras cariocas e reuniu mais de 40 pessoas.

Um dos organizadores da iniciativa é o Instituto Rope, que realiza sonhos de pessoas em estágio terminal. Roberto Palmeira, do Rope,  o  médico Filipe Gusman, especialista em cuidados paliativos, as psicólogas Mayla Cosmo e Juliana Mattos, que são especialistas em luto, e Joana Cés de Souza Dantas, especializada em oncologia participam dos encontros.

Algumas premissas básicas são: não ter fins lucrativos; não ter proposta terapêutica ou de grupo de apoio; ter hora marcada para começar e para terminar.

O tema central desse encontro foi a falta de espaço para se falar sobre a morte. O médico especialista em  cuidados paliativos puxou o assunto, mas na sala repleta de profissionais da saúde foi um leigo que deu continuidade. Ele perdeu a filha de 21 anos num acidente de transito.

“A gente nunca pensou em morte. Mas é a loteria da vida, e fomos sorteados”, disse ele, sentado ao lado da mulher, segurando sua mão. “Eu só vim porque minha mulher insistiu. Eu ia trazê-la aqui e ficar lá embaixo lendo um livro, mas resolvi subir. Se eu gostar, volto. O bolo já me animou”, brincou.

A especialista em luto Mayla Cosmo, chamada também de Doutora Morte, afirmou que em seu intimo essa seria a maior perda – referindo-se à morte de um filho. “Ver pessoas que passaram por isso e hoje seguem vivas, relativamente bem, falando sobre o assunto, traz de certa forma um alívio”.

O casal encarou o luto de diferentes formas. O pai focou no trabalho, na introspecção. A mãe participa ainda hoje de grupos de apoio e faz terapia. “A morte de minha filha me transformou muito. Você acha que vai morrer também, mas não morre. Quando você acha que está no fundo do poço, vê que ainda consegue respirar”, afirmou.

Depois de ouvir a história do casal, uma mulher destacou  que a tal “ordem natural”, segundo a qual pais morrem antes dos filhos, é uma criação humana. “A gente tem essa necessidade de organizar a vida, de fatiar o tempo”, analisou ela. “A ordem natural das coisas só existe em nossa cabeça. A gente não é educado para a morte. E se a gente parte para buscar explicações, a gente sofre.”

Muito além do luto individual, também pesa sobre as pessoas a carga do luto coletivo. E isso não passou despercebido durante o encontro, afinal 2019 começou com uma sequência de tragédias que fez todos os brasileiros ficarem mais próximos da morte.

Como tratar o corpo – Dr. Gusman prosseguiu dizendo que tinha aproveitado a morte de um peixinho para introduzir o assunto com  a filha de 5 anos. “Tirei o peixe do aquário, refletimos sobre ele. Aconselhei que ela se lembrasse dos bons momentos … nos despedimos e então joguei o peixinho no lixo”.

No dia seguinte cheguei do hospital e ela veio me receber, perguntando sobre minha paciente. Respondi: “ela morreu”. A reação dela revelou que algo tinha dado errado na aula do peixinho: “ela foi para o lixo? Na verdade esqueci de dizer como tratar o corpo”.

 A iniciativa – Quem vai a um Death Café geralmente já conhece a ideia, ou é levado por algum amigo, ou esbarrou com o anúncio na página do grupo em alguma rede social.

O modelo foi desenvolvido pelo britânico budista Jon Underwood, baseado no sociólogo e antropólogo suíço Bernard Crettaz.

O primeiro encontro foi em 2011 na casa de Underwood, em Londres. Foi organizado por ele e por sua mãe, a psicoterapeuta Sue Barsky Reid. Os dois produziram uma metodologia, com princípios básicos para a realização do Death Café. Esse “guia” foi publicado na internet em fevereiro de 2012, e, a partir daí, várias pessoas passaram a procurá-los para instaurar seus próprios “cafés da morte”.

Em 2017 Underwood morreu repentinamente, aos 44 anos. A causa foi uma hemorragia cerebral devido a uma leucemia que não havia sido diagnosticada. O Death Café continuou, administrado por sua mãe e sua irmã.

Hoje, já foram realizados mais de 8.200 Death Cafés em 65 países. Na América Latina, a iniciativa existe em países como Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, México e Peru. A ideia se espalhou por todo o mundo, do Canadá a Portugal, passando por Bangladesh e Zimbábue. No Brasil, o primeiro a ser criado foi em São Paulo, em 2015. De lá para cá, já foram realizados encontros em cidades como Belo Horizonte, Curitiba, São Luís e Goiânia.

Fonte: Revista Época