Falta de oxigênio e frio extremo tornam sobrevivência a 8 mil metros de altitude quase impossível
Um estudo publicado em 2017 mostra que a população nepalesa da etnia Xerpa é adaptada geneticamente para se dar bem em altitudes muito elevadas, já que esse grupo vive perto da cadeia de montanhas do Himalaia. Aliás, é por esse motivo que aqueles que alcançaram o cume do Monte Everest mais vezes são naturais da região. O recordista Kami Rita Sherpa, de 50 anos, já chegou ao topo do mundo 24 vezes: “Sou saudável. Posso continuar até os 60 anos. Utilizando oxigênio extra, não é grande coisa”, disse à BBC.
A atividade, contudo, não é fácil para a maioria das pessoas: o corpo humano simplesmente não foi criado para sobreviver em altitudes muito elevadas — como na conhecida “zona da morte” do Everest, a mais de 8 mil metros do nível do mar. A falta de oxigênio e o frio são alguns dos fatores que fazem da escalada uma tarefa hercúlea, mas questões como o cansaço, a insônia, e, recentemente, a lotação de exploradores na hora do “ataque ao cume” tornam a situação ainda mais complicada.
Cadê o ar? No nível do mar, o ar contém aproximadamente 21% de oxigênio, mas a partir dos 3,6 mil metros de altitude esse nível diminui em 40%. Na “zona da morte” — a partir de 8 mil metros de altitude — respirar se torna missão praticamente impossível (mesmo com oxigênio extra). “Você está morrendo lentamente a mais de 5,4 mil metros”, disse Peter Hackett, professor clínico do Departamento de Ciências Pulmonares da Universidade do Colorado, ao Popular Science: “Mas quando você chega a mais de 7 mil metros, você começa a morrer muito mais rapidamente”.
A falta de oxigênio resulta em inúmeros riscos para a saúde. Quando a quantidade de oxigênio no sangue cai abaixo de um certo nível, a frequência cardíaca sobe para 140 batimentos por minuto, aumentando o risco de um ataque cardíaco. Além disso, crescem as chances de se ter um edema pulmonar, assim como faltas de ar, sentimento de fraqueza e tosse.
Por conta disso, os exploradores chegam à base do Everest muito antes de fazerem a exploração ao cume — eles passam semanas em um acampamento que serve como base. Durante esse período, os alpinistas passam por uma aclimatação, na qual farão missões a partes mais altas da montanha para acostumar o corpo ao ambiente hostil.
Ao longo dessas semanas em altitudes elevadas, o corpo começa a produzir mais hemoglobina (a proteína dos glóbulos vermelhos que ajuda a transportar o oxigênio dos pulmões para o resto do corpo) para compensar a situação vivida pelo organismo. Mas o excesso de células do tipo pode alterar a espessura do sangue, tornando mais difícil para o coração bombear o sangue pelo corpo — o que pode resultar em um derrame ou no acúmulo de líquido nos pulmões.
Confusão mental – A falta de oxigênio também pode causar confusão mental. Em alguns casos, a falta da substância faz com que os alpinistas esqueçam onde estão e comecem a delirar — fenômeno que alguns especialistas consideram uma forma de psicose de alta altitude.
Além disso, o poder de julgamento dessas pessoas fica prejudicado — como começar a se despir ou conversar com amigos imaginários. Outra consequência é a diminuição do tempo de reação e a dificuldade de executar tarefas motoras consideradas simples, como se segurar a uma corda, por exemplo. “Alguém que está com pouco oxigênio pode pensar que ele pode se sentar, e ele nunca vai se levantar”, contou Hackett. “O que alguém está vivenciando é a exposição à exaustão, em combinação com hipotermia.”
Tudo isso pode resultar em edemas cerebrais (além dos pulmonares), que contam com outros sintomas perigosos, como vômitos, dificuldade para dormir — que resulta em ainda mais cansaço — e dificuldade de enxergar. “A cada segundo ou terceiro suspiro seu corpo fica sem ar, e você acorda”, lembrou Shaunna Burke, em entrevista ao Business Insider.
Friozinho – O frio também é um problema: no verão do Everest, a temperatura não supera os 15ºC negativos. Nessa situação, até o menor período de tempo de exposição de pele desprotegida pode resultar no congelamento do corpo. Isso, claro, além do risco de hipotermia.
“Estamos literalmente correndo contra o relógio e morreremos se não descermos”, escreveu Luanne Freer, fundadora de uma unidade de emergência no acampamento de base do Everest, ao Popular Science. “Mau tempo, neve, terreno difícil, multidões que impedem a subida ou descida de uma corda fixa, uma pequena lesão— qualquer coisa que nos atrapalhe pode ser potencialmente mortal.”
Popularidade – Embora seja necessária uma permissão do governo nepalês que custa cerca de U$ 11 mil [aproximadamente R$ 45 mil] para escalar o Monte Everest, a popularidade da montanha cresce cada vez mais. Como contam os alpinistas mais experientes, um dos motivos é o fato de que as autoridades do Nepal não solicitam qualquer tipo de comprovante ou teste de habilidade para emitir a autorização. Ou seja, basicamente qualquer um que possa pagar pode fazer a escalada, mesmo sem as habilidades necessárias.
O tumulto é perigoso, principalmente, porque os exploradores fazem a exploração ao pico no mesmo período, devido às condições de tempo mais favoráveis. Até maio, mais de 800 pessoas já haviam alcançado o topo do mundo na temporada de 2019.
A primeira escalada documentada ao pico do Everest — que fica a uma altiude superior a 8,8 mil metros — e foi realizada pelo neozelandês Edmund Hillary e o nepalês Tenzing Norgay, no dia 29 de maio de 1953.
No período, imagens divulgadas nas redes sociais de alpinistas chamaram atenção: é possível ver uma fila com mais de 300 pessoas fazendo o “ataque” no mesmo momento. Aliás, esse é um dos motivos que, para os especialistas, levou a morte de 11 pessoas nessa temporada: “Havia mais de 200 alpinistas chegando ao topo”, contou Elia Saikaly, que chegou ao cume no fim de maio, ao The Guardian: “Eu encontrei um escalador falecido… O corpo dessa pessoa foi fixado a um ponto de ancoragem entre duas linhas de segurança e cada pessoa que estava subindo em direção ao cume teve que passar por cima daquele ser humano”.
Outro motivo para a superpopulação do Everest é o vencimento, no fim de 2019, das licenças tiradas para escalar a montanha entre 2014 e 2015. No biênio, a atividade ficou proibida por conta de desastres naturais.
Vale lembrar que, quanto mais tempo alguém passa em altitude tão elevada, maior é a chance de desenvolver problemas de saúde. “Muitas vezes, essas pessoas, embora nem sempre, investiram somas significativas de dinheiro e tempo nessa atividade. E em um dia em que as condições climáticas são boas, você pode imaginar que seria muito difícil convencer alguém a se virar porque a fila é longa”, afirmou Andrew Luks, professor na Universidade de Washington School of Medicine, ao Live Science.
Mistérios – Surpreendentemente, a maior parte das mortes ocorre na descida do Everest: “O fato de que essas pessoas estão morrendo no caminho de volta é realmente intrigante, porque a doença da altitude não acontece no caminho para baixo”, disse Hackett. Segundo ele, é possível que mais pessoas estejam morrendo simplesmente porque o número de alpinistas no local cresceu, e, logo, aumentou também probabilidade estatística de pessoas com problemas de aventurarem no local.
Sem autópsias, que podem ser difíceis de obter em condições tão severas, essas mortes podem permanecer um mistério. “Às vezes, as pessoas simplesmente saem [de lá] e não querem falar sobre isso… Estamos no escuro”, relatou Hackett.