Trato de episódio bastante comum, que acontece, por vezes, já nas despedidas dos entes queridos.
Rebeca e Jussara, irmãs, aqui com nomes fictícios, choram a morte do pai Francisco.
Francisco, que era viúvo, sempre morou com suas duas filhas, ambas solteiras.
Recordações e lágrimas vem e vão, entre idas e vindas de familiares e amigos do velho Chico. Velório lotado. Francisco, homem querido.
As irmãs seguem debruçadas sobre a lápide fria, onde o querido pai já descansa para a vida eterna. Choros e recordações circundam o ambiente. Dia frio, de um inverno rigoroso.
Rebeca, filha mais velha, parece tensa, querendo dirigir alguma palavra à irmã.
Não demora muito para que Rebeca lance, então, à Jussara, afirmação que seguia engasgada na sua garganta:
“Então maninha…., sei que não é hora, mas…. gostaria de falar com você. Aquela doação que o papai fez em seu benefício, do melhor imóvel da família, que vale R$ 500.000,00, sem comentar nada comigo, não vale nada, nadinha mesmo. Aliás, descobri isso pouco tempo atrás, então, você devolve e tá tudo certo, ok? Melhor assim, esse negócio de brigar na Justiça é bobagem, você devolvendo, a gente conserta tudo, ok?”
Muito calma, e com sorriso seguro, de quem sabe o que fala, a “maninha” Jussara, em tom baixo e calmo, devolve a irmã a seguinte resposta:
“Puxa, ‘Re’… você está enganada. A doação feita pelo papai foi realizada da parte disponível do patrimônio dele, então, sabe…, não vou devolver nada, não. Tá tudo certo mesmo!! Além disso, o advogado que tratou do assunto, falou que você não precisaria estar presente quando ele fez esta doação.”
Não é preciso ao menos que o corpo do defunto esfrie, para que tais discussões passem a ser travadas entre os herdeiros já no próprio funeral.
Então vamos lá, trabalhar neste exemplo das manas Rebeca e Jussara e do extinto Francisco.
Doações de pais para filhos são perfeitamente possíveis, não existindo qualquer exigência legal, para que os demais filhos, não beneficiados, participem do ato, ou tenham ciência desta doação.
O que não pode ocorrer, por exemplo, é que esta doação prejudique a herança dos herdeiros legítimos, ou seja, no exemplo, a doação não poderia prejudicar o direito de Rebeca.
Vamos exemplificar em números para ficar mais fácil?
Então lá vai:
Total do patrimônio de Francisco, incluindo o imóvel doado: R$ 1.000.000,00
Legítima (herança) das duas herdeiras: R$ 500.000,00 (R$ 250.000,00 para cada uma).
Parte disponível do patrimônio, que Francisco poderia doar a qualquer pessoa, inclusive à própria filha Jussara: R$ 500.000,00.
Logo, o valor do imóvel doado não prejudicou a legítima das herdeiras filhas, inclusive da própria Jussara, não existindo qualquer defeito na doação praticada por Francisco.
Em nosso exemplo então, Rebeca receberá R$ 250.000,00, enquanto Jussara que já recebeu o imóvel de R$ 500.000,00, pela doação outrora realizada, receberá ainda os mesmos R$ 250.000,00, em igualdade com a irmã, não existindo qualquer invalidade no ato praticado pelo pai em benefício da “filhota” que parece ter sido, de alguma forma, talvez a filha “preferida”.
Assim, desferir acusações ou imputar como inválidas doações praticadas, pode ser um tremendo erro.
Antes do ataque ou da crítica, é preciso informação.
E tenham certeza que Francisco estava muito bem informado, pois respeitou a parte da herança legítima das filhas, conforme acima observado, sendo a doação realizada em benefício de Jussara, perfeitamente legal.
E, por fim, voltando ao funeral, caro leitor(a), ali jazia o velho Chicão, já bem longe das comezinhas discussões familiares, com semblante bem tranquilo e sereno, na certeza de que o ato que praticou em favor da caçulinha se revestiu da mais perfeita legalidade!!! Descanse em paz, Francisco, que por aqui ficou tudo certo mesmo, viu!!
Até outro dia, então, pessoal.
Por Ana Lúcia Moure Simão Cury