Para ter uma vida boa é necessário saber que ela vai acabar e aprender a conviver com isso. Será?
A Revista Super Interessante abordou a morte da maneira como nós, do setor funerário, não a vemos, mas entendemos muito. O texto é interessante para ajudar àqueles que tratam diretamente com as famílias enlutadas, que precisam de conforto e compreensão.
“Há muito tempo, no Tibete, uma mulher viu seu filho, ainda bebê, adoecer e morrer em seus braços, sem que ela nada pudesse fazer. Desesperada, saiu pelas ruas implorando que alguém a ajudasse a encontrar um remédio que pudesse curar a morte do filho.
Como ninguém podia ajudá-la, a mulher procurou um mestre budista, colocou o corpo da criança a seus pés e falou sobre a profunda tristeza que a estava abatendo. O mestre, então, respondeu que havia, sim, uma solução para a sua dor. Ela deveria voltar à cidade e trazer para ele uma semente de mostarda nascida em uma casa onde nunca tivesse ocorrido uma perda.
A mulher partiu, exultante, em busca da semente. Foi de casa em casa. Sempre ouvindo as mesmas respostas. “Muita gente já morreu nessa casa”; “Desculpe, já houve morte em nossa família”; “Aqui nós já perdemos um bebê também.” Depois de vencer a cidade inteira sem conseguir a semente de mostarda pedida pelo mestre, a mulher compreendeu a lição.
Voltou a ele e disse: “O sofrimento me cegou a ponto de eu imaginar que era a única pessoa que sofria nas mãos da morte”.
A morte pode ser vista como um mistério incompreensível. Ou como um absurdo inaceitável. A morte pode até ser tratada como um tabu, assunto do qual a maioria das pessoas não gosta de falar. Mas, seja como for, aceitemos isso ou não, a morte é um fato, uma realidade inexorável. E que vem para todos nós.
A morte faz parte da vida. Começamos a morrer exatamente no dia em que nascemos. A morte, portanto, é uma etapa da nossa existência com a qual temos que conviver. Pode-se conviver melhor ou pior com ela. Mas não se pode evitá-la.
Como está dito na fábula tibetana, a morte não é privilégio nem desgraça particular de ninguém. Ela chega para todos, sem exceção.
Mas, afinal, se a morte é tão comum e corriqueira, por que ela nos causa tanto medo? “O maior desejo do homem é a imortalidade”, diz a psicóloga Ingrid Esslinger, da Universidade de São Paulo (USP), acostumada a atender pessoas em situação de luto. “Por isso, muitas vezes a morte é considerada uma inimiga.” E uma adversária, que poderia ser vencida pelos avanços científico-tecnológicos do século XX, que aumentaram indiscutivelmente a eficiência dos diagnósticos, dos medicamentos, das técnicas cirúrgicas etc. O sonho da permanência ganhou um reforço com as melhorias trazidas pela medicina, com o aumento da expectativa de vida, com a possibilidade de haver cura para todas as doenças, mesmo o câncer ou a Aids. Enfim, soa como um despropósito falar de morte a quem tem as descobertas da ciência a seu favor. Afinal, se existem meios de prolongar a vida útil do ser humano, de manter-se jovem, de atrasar o envelhecimento, de viver mais de 100 anos, por que pensar na finitude?
É um paradoxo: a valorização da vida e a ilusão de eterna beleza e jovialidade trazidas pela vida moderna acabam gerando, por meio do apego a tudo isso, muito mais tristeza e sofrimento pelo fim inevitável da existência do que felicidade pelo mais de vida que proporcionam.
O mundo ocidental transformou a morte em tabu: ela costuma ser ocultada das crianças e banida das conversas cotidianas. Tudo aquilo que possa lembrá-la – a enfermidade, a velhice, a decrepitude – é escamoteado. Os doentes morrem no hospital, longe dos olhos – e, não raro, do coração – de seus amigos e parentes.
Na direção certa – O primeiro passo para conviver melhor com a ideia da morte é esquecer aquela imagem medieval de um esqueleto coberto com uma capa preta carregando uma foice afiada na mão. Talvez uma imagem melhor para a morte seja imaginá-la como o fim de uma festa muito bacana. Você aguentaria dançar na pista para sempre? Por melhor que seja a música, tem uma hora que seu corpo e sua mente pedem descanso. E aí, talvez, seja o momento mesmo de sair da pista, serenamente, sem traumas, e dar lugar a quem está chegando à festa cheio de gás.
O medo da morte é um sentimento inerente ao processo de desenvolvimento humano. Aparece na infância, a partir das primeiras experiências de perda. E tem várias facetas: trata-se de um medo do desconhecido, somado ao medo da própria extinção, da ruptura da teia afetiva, da solidão e do sofrimento. “O medo da morte é fundador da cultura”, diz a socioantropóloga Luce Des Aulniers, responsável pela disciplina de Estudos Sobre a Morte, da Universidade de Quebec, em Montreal, Canadá.Um caminho para a reversão dos valores seriam as discussões sobre o assunto na escola, na família, nos hospitais. Falar da morte é transformá-la em aliada, conselheira, em uma presença natural. Lidar com ela de modo saudável significa ter mais realizações, finalizar mais tarefas e pedir mais perdões ao longo da vida. Só assim se vive de modo mais pleno e se pode morrer mais serenamente, rompendo com o hábito de deixar certas decisões para amanhã, depois de amanhã e assim por diante.
Na filosofia oriental, existem práticas específicas de preparação para a morte. A principal delas é a meditação, que tem o objetivo de domar a mente, a ansiedade e as emoções negativas sempre – mas especialmente no momento em que a pessoa se aproxima da morte. A maior tranquilidade dos orientais em relação à finitude se expressa também no maior respeito em relação aos velhos. As pessoas que se encaminham para o final da vida são respeitadas, incensadas.
Reconcilie-se com a morte. Não por morbidez, não para se esquecer de viver, não porque seja bom deixar de existir. Mas simplesmente porque ela vai acontecer e não somente com você – mas com todos os que andaram, andam ou venham a andar sobre a Terra.
A nós, portanto, resta apenas aprender a conviver com ela. Encará-la de frente, compreendê-la, admiti-la.
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Fonte: Revista Super Interessante