Funerárias mexicanas afirmam que mortes por COVID-19 são maiores que o anunciado

O México regista mais de 71 mil casos de covid-19 e cerca de 7600 mortos. No entanto, os dados analisados pela Reuters junto de funerárias e crematórios indicam que o número de mortes, particularmente na Cidade do México, pode ser muito mais elevado.

Tal como muitas pessoas em todo o mundo, Salvador Ascencio, proprietário de uma funerária mexicana, inicialmente, não acreditava que o surto de coronavírus pudesse vir a ser tão grave.

Parte inferior do formulário

Durante os primeiros 11 dias de Maio, a sua pequena funerária de uma parte degradada da Cidade do México recebeu 30 corpos, um número quatro vezes superior nos serviços funerários comparativamente ao mesmo período de Maio do ano passado.

“Nunca vivi uma situação como esta”, disse Ascencio, de 52 anos, rodeado por brilhantes caixões de madeira na sala apertada do negócio de família que opera desde 1973.

“A verdade é que aquilo que estamos a viver é horrível.”

A Reuters analisou 18 funerárias e crematórios em toda a capital. Todas relataram um aumento na procura pelos seus serviços durante a pandemia.

As evidências sugerem que as estatísticas oficiais no México podem estar a subestimar o verdadeiro número de mortos por covid-19.

O Governo do México reconheceu que o número real de mortes é superior aos números oficiais, apesar de afirmar que tem ferramentas limitadas para medir com precisão os números reais, uma vez que tem a menor taxa de testes realizados nos países da OCDE.

Para dificultar os esforços na estimativa do verdadeiro impacto da pandemia, o México não tem estatísticas em tempo real sobre o número de mortos no país: os dados de mortalidade mais recentes foram publicados em 2018.

Isto torna difícil calcular a “mortalidade excessiva”: um termo utilizado por epidemiologistas para estimar o aumento de mortes, comparando com as condições normais, atribuível a uma situação de crise de saúde pública.

Com base na informação das funerárias na capital do México, o excesso de mortalidade na primeira semana de Maio pode ser 2.5 vezes superior aos números oficiais do Governo durante esse mesmo período, de acordo com os cálculos da Reuters.

O excesso de mortalidade é um indicador reconhecido para determinar o impacto da pandemia, mas a “severa subestimação” do México quanto ao número de mortos não indica uma conspiração do Governo para suprimir números. “É uma consequência de não se fazer testes suficientes”, dizem especialistas.

Os dados das funerárias e das certidões de óbito contradizem o número oficial de mortes causadas pelo coronavírus também em outros países, incluindo Itália e Indonésia.

Oficialmente em 25/05/2020, a Cidade do México contabiliza 1963 mortos.

Morgues sobrelotadas –  No crematório Izaz Cremaciones, localizado em Iztapalapa, no epicentro do surto na Cidade do México, a fumaça negra sai pelas chaminés sempre que uma vítima de coronavírus é cremada. O fumo espesso deve-se às camadas extra de plástico enroladas nos corpos, disseram os trabalhadores.

A Izaz Cremaciones cremou 239 pessoas nos primeiros 11 dias de Maio, comparativamente às 188 pessoas que foram cremadas durante Maio do ano passado. O aumento deveu-se, em parte, ao facto de o Governo ter recomendado a cremação a todos os casos suspeitos de morte por covid-19. A empresa introduziu turnos de 24 horas para operar nos seus dois fornos crematórios.

Mais de um terço das cremações na Izaz Cremaciones no início do mês foram casos confirmados ou “prováveis” de covid-19, de acordo com as certidões de óbito. A funerária J. Lopez Garcia também disse que mais de um terço dos casos diários no mesmo período eram “covid-19 e/ou pneumonia atípica”.

Os trabalhadores que transportam os corpos das vítimas de coronavírus nos carros funerários para os crematórios da capital assumem a aparência de astronautas, envoltos em macacões e máscaras de gás.

 “É algo que nunca vi, os hospitais estão cheios”, afirmou. “As áreas onde estão os corpos estão completamente cheias.”

O aumento na procura por serviços funerários coincide com muitos hospitais públicos sobrelotados. No início da semana passada, 47 dos 64 hospitais da área metropolitana da Cidade do México estavam cheios e 13 estavam com a capacidade quase máxima, segundo dados do Governo.

As funerárias continuam a receber chamadas de pessoas que suspeitam que os seus familiares tenham morrido devido ao coronavírus.

“Se o número de mortos continuar subindo, não seremos capazes de lidar com todos os casos, porque a cidade não tem locais suficientes para cremar todos os corpos das vítimas. Infelizmente, não há fornos suficientes”, afirmam as empresas.

Fonte: Reuters