Falta pouco tempo para a chegada das festas de final de ano, período que costuma ser de encontros e confraternizações com amigos e familiares, de fazer um balanço do que passou e elaborar planos para os próximos 12 meses.
Apesar de para muita gente tudo isso ser motivo de alegria, renovação das esperanças e comemoração, para outras é um causador de angústia e tristeza. Rafael Nobre Lopes, psiquiatra com mestrado em saúde da família e docente do Centro Universitário Uninta – Campus Sobral, no Ceará, diz que é comum as pessoas terem emoções negativas e mais intensas nessa época —ainda mais durante uma pandemia—, fenômeno motivado tanto por questões individuais quanto sociais
“O fim do ano é o fim de um ciclo. Somos bombardeados por imagens e celebrações que visam propagar sentimentos como união, laços afetivos, paz, amor e, acima de tudo, felicidade. Isso traz consigo uma certa melancolia de algo que deixamos de viver ou saudade de afetos que tivemos”, diz.
Segundo ele, ao mesmo tempo em que procuramos uma espécie de redenção, fazendo planos de mudança para o ano que vem, passamos a dar atenção ao que nos faltou, pensando sobre o que fizemos de ruim ou o que deixamos de fazer. “Tudo isso nos deixa mais emotivos”, explica. Para quem está vivenciando ou acabou de passar por uma situação de perda, seja por separação/divórcio, conflitos ou morte, enfrentar esse período costuma ser ainda mais difícil.
Além de todas as reflexões, nostalgia e recordações que o momento normalmente provoca, os próprios rituais de Natal e Réveillon contribuem —e muito— para aumentar o sofrimento.
O fato é que eles acabam funcionando como um lembrete de uma vida que não se tem mais ou de uma pessoa que não está mais ali. Por exemplo, no caso específico de separações e divórcios, normalmente, os casais criam as suas tradições para as festas de encerramento do ano, mas, quando rompem, tudo muda. A partir daí, eles precisam deixar os velhos costumes de lado, modificá-los e reorganizar as relações sociais envolvidas
Já em situações de luto, essas mesmas tradições acabam trazendo à tona a saudade e a tristeza que se sente pela partida de alguém querido. Aqui, mais uma vez, os roteiros das festas precisam ser adaptados e ter novos significados. “A pessoa que morre não deixa de estar nos rituais, ela passa a ser incorporada de outra forma, como narrativa, lembrança. Há uma elaboração da nova configuração, mas isso costuma ser um processo doloroso”, diz Kimati.
Sentimentos devem ser respeitados e acolhidos Entre os sentimentos que costumam aparecer com mais força no final do ano estão melancolia, tristeza, vazio interno, arrependimento, culpa, raiva e solidão. E todos tendem a crescer quando há uma grande perda envolvida.
A boa notícia é que é possível lidar com esse caldeirão de emoções de forma que elas não se tornem opressoras e impossibilitem de aproveitar, ao menos um pouco, as festividades que vêm por aí. Segundo Lopes, o principal a fazer numa situação como essa é não negar o que se está sentindo, mas sim acolher, não focar no que se perdeu, mas sim no que ainda se tem.
“O ideal é a pessoa que está passando por algo difícil voltar as suas atenções para os laços que possui e apoiar-se neles, conversar com quem confia e se abrir com aqueles que a fazem se sentir emocionalmente segura”, aponta.
O médico afirma que também é importante ser empático e dar atenção ao que o outro está passando. “Isso ameniza o nosso próprio sofrimento, pois encontramos ali uma identificação e uma partilha. E é sempre recomendável tentar manter uma rotina ‘normal’ neste período do ano e evitar estresses desnecessários”, acrescenta.
Juliana Beatriz Ferreira de Souza, psicóloga participante do Laboratório de Casal e Família: Clínica e Estudos Psicossociais do IP-USP (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo), pondera que cada indivíduo lida com separação ou luto a sua maneira e no seu tempo.
“Não dá para generalizar, já que é um processo muito particular. Apesar disso, o que é fundamental nessas circunstâncias é mesmo respeitar os sentimentos, os pensamentos e as sensações e vivenciar a dor, por mais difícil que seja. Não se deve nunca fugir, para que ela possa ser elaborada e transformada”, aconselha. Junto a tudo isso, outras estratégias que podem ajudar a enfrentar o momento são:
- Não se obrigar a participar dos encontros de final de ano e de qualquer outra atividade que não lhe faça se sentir confortável –mas, ao mesmo tempo, não se isolar;
- Buscar fazer algo que dê algum tipo de prazer;
- Praticar atividades físicas;
- Permitir-se sentir alegria;
- Promover o autocuidado;
- Não usar drogas;
- Evitar o consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
Quando procurar ajuda profissional? Por mais que o sofrimento seja amenizado e ressignificado com o passar do tempo, nem todo mundo consegue lidar com ele sem ajuda.
Neste caso, se o apoio de amigos e familiares não surtir efeito, o recomendável é buscar um psicólogo.
“Ao vivenciar uma separação ou luto, jamais se deve entender o sofrimento oriundo deste momento como uma manifestação clínica, uma doença, e não sair correndo atrás de um psiquiatra, de remédio. O sofrimento faz parte de um processo de elaboração pessoal e é necessário para que possamos nos reinventar e crescer”, diz Kimati.
De acordo com o médico, quando imediatamente se patologiza uma dor causada por uma situação difícil, isso significa que o contexto e a experiência vivida não importam —quando, na verdade, são essenciais— e que o que se está sentindo é resultado apenas de uma disfunção
Apesar disso, existem situações em que a dor da perda pode sim se transformar em um distúrbio, como depressão e ansiedade. E aí não tem jeito, consultar um psiquiatra se torna primordial. Mas como saber que é a hora?
No geral, isso é indicado quando, passado um tempo mais longo, a pessoa não consegue trabalhar nem realizar as atividades diárias costumeiras, passa os dias dominada pela tristeza e pelos pensamentos negativos e apresenta uma perda considerável de peso e diminuição da libido.
“Se o indivíduo sente que o sofrimento está muito intenso, se há interferência no seu cotidiano e ele começa a perder o sentido da vida, vivenciando a chamada anedonia, que é a incapacidade de experimentar prazer ou satisfação, então é aconselhável buscar um profissional para conversar e obter orientação”, completa Lopes.
Fonte: Viva Bem – Uol