A prefeitura de Paris decidiu criar uma área dedicada a enterros ecológicos no cemitério de Ivry, vizinho ao 13° distrito da capital. A iniciativa responde a uma demanda de cidadãos por rituais funerários que respeitam o meio ambiente. O sepultamento tradicional e a cremação são considerados poluentes.
O enterro ecológico representa uma mudança cultural em hábitos enraizados há séculos na França. Com seus cemitérios ricos em túmulos assinados por arquitetos e artistas, verdadeiros museus a céu aberto, abrir mão da construção é um avanço. As regras aprovadas pelo Conselho de Paris, equivalente a uma Câmara Municipal no Brasil, são estritas.
Desaparecem os mausoléus e o revestimento de cimento nos jazigos subterrâneos, encontrados nos cemitérios de tipo parque. Esse tipo de edificação requer materiais e um gasto de energia que causam um impacto durável no solo. No cemitério ecológico de país, o uso de produtos químicos será proibido. Há dois anos, a prefeitura já havia abolido o uso de herbicidas nos cemitérios, parques e praças da cidade.
A legislação francesa estabelece que o enterro ou a cremação devem acontecer num prazo mínimo de 24h ou no máximo seis dias após o falecimento. A lei não obriga as funerárias a embalsamar o corpo, mas esse tipo de serviço é proposto com frequência e muitas famílias aceitam, principalmente quando o enterro é marcado quatro, cinco dias depois do falecimento. No cemitério ecológico de Paris essa prática será proibida.
Biodegradável – Para reduzir o impacto ambiental, as urnas serão obrigatoriamente de madeira ou de papelão biodegradáveis, sem almofada sintética, tinta ou verniz. Os mortos só poderão ser enterrados com roupas de fibras naturais e nada mais.
A antropóloga francesa Manon Moncoq, especialista do funeral e do meio ambiente que trabalhou no projeto do cemitério ecológico parisiense, costuma dizer: “Tudo o que se coloca no caixão termina no chão”. É como jogar uma roupa, jóias ou itens pessoais no meio da natureza. Pode ser interessante para o ritual, mas não será biodegradável e, por consequência, nocivo ao planeta.
Para reduzir a pegada ecológica, é mais aconselhável usar um simples manto de fibras naturais. As placas de identificação dos mortos também serão de madeira.
Pás e enxadas – Há uma mudança que pode parecer um retrocesso, mas faz parte do desafio de adaptação a práticas menos poluentes. Os coveiros voltarão a remover a terra com as mãos e a ajuda de pás e enxadas. No cemitério ecológico de Paris, não será permitido o uso de retroescavadeiras com motor à diesel. Esses equipamentos são utilizados há décadas no país.
Fértil após a morte – O primeiro cemitério sustentável da França surgiu em Niort (sudoeste). Em maio passado, a cidade de Arbas, na região dos Pirineus, inaugurou uma floresta cinerária. Os franceses que preferem a cremação podem depositar as cinzas de um familiar no pé de uma árvore, em uma urna biodegradável.
A ideia de repousar numa floresta é simbólica e reconfortante. As árvores resistem ao tempo e têm papel determinante para o equilíbrio do planeta, exercendo funções vitais como o controle da temperatura, aumento da umidade do ar, maior controle das chuvas, qualidade da água dos mananciais, controle de erosão, manutenção da biodiversidade, além de produzirem sementes, frutos, madeira, resinas e outros produtos.
A antropóloga Manon Moncoq, que está escrevendo uma tese sobre funerais verdes, com uma análise sobre a nova relação das pessoas ao corpo, à morte e ao meio ambiente, diz que, pela primeira vez na história da humanidade, se vê a preocupação de tornar o corpo humano fértil mesmo depois da morte. Faz parte da lógica da reciclagem, de reinjetar o corpo no ciclo da vida, devolver ao planeta o que a natureza nos deu.
Durante milênios, o corpo permaneceu fechado num túmulo intocável e sagrado. Essa mentalidade está mudando. A nova crença, de um corpo fértil até o fim, encontra seu paroxismo na morte, o último gesto feito durante a vida, conclui a antropóloga.
Fonte: G1