Ressurreição Digital

Estamos entrando em uma nova era do luto — onde sessões espíritas não envolvem médiuns ou velas, mas algoritmos e inteligência artificial

Um número crescente de pessoas tem usado “griefbots” — robôs de luto — para recriar conversas com parentes que já se foram. A experiência é, ao mesmo tempo, tecnológica e profundamente humana.

Plataformas como o Projeto Dezembro permitem que usuários enviem memórias, trejeitos e histórias de pessoas falecidas. Por cerca de US$ 10, recebem um chatbot capaz de simular conversas surpreendentemente realistas por até uma hora.

Foi assim que Joshua Barbeau, por exemplo, passou uma noite trocando mensagens com uma IA chamada “Jessica”, recriação de sua noiva falecida. Ele descreveu a experiência como assustadoramente real.

Mas até onde isso pode ir?

Com empresas como StoryFile e YOV criando avatares realistas, inclusive com voz e aparência, começa a surgir uma nova fronteira: a “ressurreição digital”. Famílias veem isso como uma forma de manter viva a presença de quem amaram.

Especialistas, porém, levantam alertas: e se isso dificultar o processo natural do luto? E se pessoas começarem a acreditar que essas inteligências artificiais são reais?

Pesquisadores já falam em “psicose de chatbot” — quando o emocional ultrapassa o racional. Por isso, universidades como a de Cambridge propõem regras éticas: como o consentimento prévio do falecido, avisos claros de que se trata de simulação e até “funerais digitais” para encerrar o uso dessas IAs.

A pergunta que fica é: estamos confortando ou prolongando a dor?

Fonte: The Guardian, The San Francisco Chronicle, Projeto Dezembro.