Vivendo junto à morte

Os Aghoris são membros de uma tribo hindu considerada sagrada, que vive isolada em campos de cremação

Eles meditam, comem, dormem e se entregam ao sexo em meio a cadáveres em chamas em crematórios a céu aberto. Andam nus, comem carne humana, usam ossos humanos como tigelas e fumam maconha. Emergem de sua existência isolada somente durante os Kumbh Mela, um dos principais festivais do hinduísmo, que ocorre em quatro locais diferentes na Índia – a cada 12 anos.

Os Aghoris são considerados sagrados,  vivem à margem da sociedade indiana  e esfregam cinzas no próprio corpo. Em sânscrito, a palavra Aghori significa “não aterrorizante”, mas os relatos de seus rituais mórbidos evocam curiosidade e medo entre muitos.

Progresso espiritual – “O princípio subjacente de seu modo de vida é transcender as leis de pureza, a fim de alcançar a iluminação espiritual e ser um com Deus”, explixa o professor de Estudos Indianos Clássicos na Escola de Estudos Africanos e Orientais em Londres.

Educado em Oxford, o professor também é um mahant ordenado, ou guru, de um culto ascético diferente. Seu grupo é mais conhecido e cumpre as leis de pureza, o que significa que as práticas dos aghori são proibidas entre eles.

Mas ele teve várias interações com aghoris.

“A abordagem aghori é assumir os tabus óbvios e quebrá-los. Eles rejeitam as noções normais de bom e ruim”, diz. “Seu caminho para o progresso espiritual envolve práticas loucas e perigosas, como comer carne humana. Mas eles acreditam que fazendo essas coisas que os outros evitam, alcançam um estado aprimorado de consciência.”

Origem – As tradições praticadas hoje parecem ser de origem relativamente recente – a palavra Aghori começou a ganhar força apenas durante o século 18. A tribo porém, eles assimilou uma série de práticas dos temidos kapalikas “portadores de caveiras”, que foram documentados já no século 7. Os kapalikas até praticaram sacrifícios humanos, mas a seita não existe mais.

Ao contrário de algumas ordens hindus conhecidas, os Aghoris não são muito bem organizados. Na maior parte do tempo, eles vivem isolados e não confiam facilmente em pessoas de fora. Eles nem sequer mantêm contato com membros de sua própria família. A maioria dos Aghoris vem de castas inferiores da sociedade indiana.

“Pode-se encontrar uma grande variedade em termos de realização intelectual. Poucos deles são realmente espertos, mas um Aghori foi até conselheiro do rei do Nepal”, diz o estudioso de Londres.

Sem ódio

Manoj Thakkar, autor do livro Aghori: um romance biográfico, argumenta que eles são um grupo profundamente incompreendido. “Aghoris são pessoas muito simples que vivem com a natureza. Eles não fazem exigências. Eles veem tudo como uma manifestação de um ser supremo. Eles não rejeitam nem odeiam ninguém ou algo. É por isso que não fazem distinção entre a carne de um animal abatido e a carne humana. Eles comem o que recebem.”

Os sacrifícios de animais também formam uma parte importante de sua adoração.

“Eles fumam maconha e ainda tentam ser autoconscientes, mesmo no estado alterado.”

Poucos – Atualmente há poucas pessoas que realmente praticam o sistema de crença Aghori. A maioria dos que aparecem nos festivais são apenas membros autodenominados da ordem, sem a iniciação adequada. Dizem que alguns agem como Aghoris para entreter turistas e ganhar dinheiro.

Os visitantes oferecem comida e dinheiro a eles, mas os verdadeiros aghoris são indiferentes ao dinheiro. “Eles rezam pelo bem-estar de todos, não ligam para pessoas que queiram sua bênção para um filho ou para construir uma casa.”

Shiva – o Deus hindu da destruição – e sua companheira, Shakthi são as divindidades adoradas pelo grupo. No norte da Índia, apenas homens são admitidos na ordem, mas na região de Bengala é possível ver mulheres vivendo nos crematórios a céu aberto. Há uma diferença, no entanto: elas usam roupas.

“A maioria das pessoas tem medo da morte e os crematórios simbolizam a morte. Esse é o ponto de partida para um Aghori: eles querem desafiar a moral e os valores do homem comum”, explicam os estudiosos.

Mas nem tudo é confrontado por eles.

Nas últimas décadas, a tradição se apropriou de ideias tradicionais e começou a fornecer serviços médicos para pacientes com hanseníase.

“Eles trabalham com aquelas consideradas as pessoas mais intocáveis da humanidade”, diz um médico e antropologista norte americano. “De certo modo, as clínicas de tratamento da hanseníase tomaram o lugar dos crematórios, mas em vez do medo da morte, os Aghori estão confrontando o medo de uma doença”, explica.

Pacientes com hanseníase, muitos deles abandonados por suas famílias, encontram refúgio no hospital administrado pelos Aghoris na cidade de Varanasi, no nordeste da Índia.

Os pacientes são submetidos a terapias que variam de medicina ayurvédica (que reúne terapias alternativas) e banhos rituais à medicina ocidental moderna. “Os remédios são misturados à bênçãos.”

Alguns aghoris usam telefones celulares e transporte público e é cada vez mais frequente ver um membro da seita vestido quando está em área publica.

Homosexualismo – Mais de um bilhão de pessoas seguem o hinduísmo, mas não necessariamente um conjunto uniforme de crenças. Não há profeta ou texto sagrado reverenciado por todos os praticantes.

Mesmo para a maioria dos indianos, que estão habituados aos costumes dos Aghoris, um encontro casual com o grupo pode ser profundamente perturbador.

Alguns membros da seita admitiram publicamente que fizeram sexo com cadáveres. Mas entre eles ainda permanecem tabus. Fazem sexo ritualístico com prostitutas, mas  não aprovam entre pessoas do mesmo sexo.

E quando os Aghoris morrem, seus corpos não são comidos por seus companheiros: eles são enterrados ou cremados.

Fonte: Curiosidades Revista Diretor Funerário – maio 2019