Serviço funerário é público ou do público?

“Serviço funerário tem que ser considerado serviço público”. Quando se disse isto pela primeira vez, a algumas dezenas de anos atrás, estava correto, todos concordaram, afinal era uma época onde faltava tudo no setor, inclusive prestadores do serviço, agora dizer isto nos dias de hoje, sem analisar o setor e a oferta, é certamente uma falta de visão, é privar a imaginação e a inteligência de buscar novos meios de se compreender e desenvolver o setor em benefício da sociedade.

Definição de público/Adjetivo

Relativo ou pertencente a um povo, a uma coletividade

Relativo ou pertencente ao governo de um país, estado, cidade

Lidar com a morte no passado era considerado uma atividade repugnante por muitos, poucos queriam e menos ainda investiam neste setor, a presença do Estado era necessária, agora o setor funerário nos dias hoje é uma atividade altamente profissionalizada, disputada e preparada, não tem sentido algum a presença do Estado, aliás, quanto mais presente pior é para todos, especialmente para o sociedade.

Também a definição de serviço essencial não pode ser condição taxativa para classifica-lo como púbico, primeiro as atividades essenciais da sociedade moderna são tantas que, se consideradas igualmente públicas no sentido de necessitarem serem pelo Estado exploradas e controladas, caminharemos a passos largos para um regime totalitário e antidemocrático, já abolido por todas as sociedades progressistas.

Não falta funerárias no Brasil, não falta estrutura no setor, o que falta é uma legislação adequada a garantir a continuidade e qualidade, e está legislação sem dúvida alguma não passa e não se encontra nos processos licitatórios atuais, da forma quem vem sendo produzidos, estes são fonte de corrupção e de vantagens que a cada dia são mais desmascaradas no Brasil.

Ser apenas essencial não pode mais ser considerado público, essencial é tudo e é nada, dependendo de quem afeta ou beneficia, o serviço funerário é sim essencial, mas não pode continuar a ser considerado público/estatal sob pena de mantermos um feudo medieval e perverso.

Pode, perfeitamente, com competência e resolutividade uma prefeitura organizar o serviço funerário de tal forma a garantir a universalidade dos atendimentos, sem contudo, lançar mão do processo falido e ultrapassado que se tornou as licitações funerárias (da forma que estão sendo feitas) no Brasil. Obviamente em alguns casos a licitação será sempre necessária, o Estado possui muitos cemitérios, alguns velórios e até mesmo crematório, estes obrigatoriamente somente poderão ir para o setor privado pelo regular processo, agora tudo aquilo que não é do Estado ao privado deve ser, sob condições claras, autorizado e liberado.

Vai chegar a hora que, um prefeito sem “compromissos” com o ultrapassado, lance mão de meios mais adequados para autorizar a atividade funerária em seu município, que defina claramente as condições que deverão ser observadas e as qualificações que os postulantes deverão ter, conseguira ele, se assim fizer, não só mudar a história, mas ser o primeiro que conseguiu resolver esta questão de forma verdadeiramente benéfica para a sociedade.

screenshot_20161014-180220.pngLançamos a partir de agora um movimento nacional de conscientização dos políticos, dos legisladores, do judiciário, da sociedade, e porque não, até mesmo de alguns  funerários, para esta questão que diz respeito a todos, afinal este é um serviço essencial, sim essencial, e como tal deve ser prestado mediante regras, condições, capacidade e vontade de todos aqueles que se proponham a invocar o direito constitucional de trabalhar, e não apenas por “alguns” privilegiados, escolhidos por meio de um processo que, em regra geral, é previamente definido entre quatro paredes, por quem vai ganhar e quem vai autorizar.

Não vai ser fácil, nem rápido mudar conceitos tão enraizados, todos que estudaram sobre o tema leram conceitos muito bem fundamentados juridicamente, embora a premissa de todas as teses jurídicas elaboradas no passado não tenham concordância com os dias de hoje, assim sendo, temos consciência de que, antes que o barqueiro Caronte receba nossa moeda, muitos serão os que vão nos combater. Mas funerário de fibra não esmorece diante das dificuldades, lutar é nosso respirar. Agora, não lutamos por lutar, se neste caminho que escolhemos surgir um novo conceito e modelo, não seremos nós que iremos radicalizar, da mesma forma que não queremos imposição não iremos impor nada, a proposta é discutir o tema, buscar alternativas, evoluir. Lewis Carrol disse: “Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes desde então”. Mudar sempre que necessário é o que queremos, sem medo, sem pressão, pelo diálogo e pela negociação.

screenshot_20161021-234738.pngNo setor funerário o conceito de público não pode ser restritivo de direito como vem ocorrendo, pode, e até deve, o Estado prestar diretamente o serviço funerário quando julgar conveniente e necessário, assim como faz com o setor de educação e saúde, é comum termos escolas e hospitais públicos em quase todos os municípios, ,agora, proibir o setor privado de concorrentemente ao público prestar  serviço funerário, ou ainda prestar serviços que não foram licitados quando feitos por meio de transferência de uso de patrimônio público, é um ato de autoritarismo inconcebível em uma sociedade moderna.

Para concluir podemos dizer que, o serviço funerário ser considerado público nos dias de hoje pode estar de acordo com a jurisprudência e algumas leis orgânicas, mas está fora da realidade, nenhum país do chamado primeiro mundo adota este critério, se queremos crescer e nos desenvolver precisamos nos levantar e andar em novas direções, aceitar, e com o mesmo entusiasmo questionar, se permitir a pensar de forma diferente da que se pensava a 50 anos, e começar a falar em  um serviço funerário LIVRE, livre da corrupção e acordos escusos, livre para iniciativa privada, livre para livre escolha e benefício da sociedade.

 

Lourival Panhozzi

Presidente Abredif/Sefesp

 

 

Serviços funerários são serviços públicos?

Fernando Herren Aguillar*

Os serviços funerários, na Constituição de 1891 (art. 72, 5º – clique aqui) e na de 1934 (art. 113, 7º – clique aqui), eram expressa­mente reservados aos municípios. A questão era tratada no capítulo das garan­tias e direitos individuais e conjuntamente com o direito de escolher livremente a própria religião: “Art. 72 – […] § 5º – Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes…” O texto da Constituição de 1934 é idêntico, salvo pela troca da palavra “ficando” pela palavra “sendo”.

A origem desse tratamento jurídico está no fato de que os serviços fúnebres sempre estiveram associados à fé católica no Brasil. Para assegurar o direito individual de livremente escolher sua religião, a Constituição de 1891 laicizou a atividade funerária, confiando-a aos municípios. O tratamento permaneceu na Constituição de 1934 e perpetuou-se na prática dos municípios e no imaginário jurídico desde então.

Daí deriva a tradição de se tratar os serviços funerários como serviços públi­cos municipais. A doutrina tradicional de Direito Administrativo e o STF se pronunciaram sempre no sentido da competência municipal para lidar com os serviços funerários na condição de serviços públicos. Na ADIn 1221 (clique aqui), julgada em 9 de outubro de 2003, assim se manifestou seu Relator, Carlos Velloso: “Os serviços funerários constituem, na verdade, serviços municipais, tendo em vista o disposto no art. 30, V, da Constituição: aos municípios compete ‘organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial’. Interesse local diz respeito a interesse que diz de perto com as necessidades imediatas do município. Leciona Hely Lopes Meirelles que ‘o serviço funerário é da competência municipal, por dizer respeito a atividades de precípuo interesse local, quais sejam, a confecção de caixões, a organização de velório, o transporte de cadáveres e a administração de cemitérios’ (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 10ª edição, 1998, atualizada por Izabel Camargo Lopes Monteiro e Célia Marisa Prendes, Malheiros Editores, pág. 339). Esse entendimento é tradicional no Supremo Tribunal Federal, conforme se vê do decidido no RE 49.988/SP, Relator o Ministro Hermes Lima, cujo acórdão está assim ementado: ‘EMENTA: Organização de serviços públicos municipais. Entre estes estão os serviços funerários. Os municípios podem, por conveniência coletiva e por lei própria, retirar a atividade dos serviços funerários do comércio comum.’ (RTJ 30/155)”.

Já nos manifestamos contrariamente a esse entendimento (AGUILLAR, 2009) que, como se percebe, se baseia em Constituições anteriores e em doutrina que não se deteve na atual Carta Política. O enfoque dado na nova sistemática constitucional é um enfoque típico de Direito Econômico: as atividades são percebidas por um ângulo econômico. E, na vigência da CF/88 (clique aqui), na ausência de qualquer res­salva às atividades funerárias, estas são atividades livres à iniciativa privada. Não se encontram listadas em nenhuma parte da CF/88 como serviço público ou função pública. E não há motivo para que sejam atividades de acesso res­trito aos particulares.

Em consequência, entendemos que são inconstitucionais (ou, dependendo do caso, não foram recepcionadas pela CF/88) as leis municipais que atribuam o caráter de serviço público aos serviços funerários, condicionando à concessão ou à permissão municipal o desempenho de qualquer atividade rela­cionada a eles. Isso abrange da constituição e funcionamento de funerárias até o desempenho de atividades relacionadas a cemitérios. O máximo que o município pode exigir dos particulares é o alvará de funcionamento e as demais exigências urbanísticas e de edificação. Embora não tenhamos conhecimento de precedentes jurisprudenciais, a denegação de alvará de funcionamento sem licitação pública, sob a alegação de se tratar de serviço público, no nosso entender, sujeita o ente pú­blico a MS.

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*Advogado consultor do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, Sociedade de Advogados