Para José Eustáquio Barboza, do Núcleo de Tanatopraxia da UFMG, culpa não pode ser atribuída aos funerários, que estão sobrecarregados pela pandemia
Os casos de trocas de corpos pelas Funerárias, evidencia uma sobrecarga e falhas no sistema funerário de Belo Horizonte. De acordo com José Eustáquio Pereira Barboza, pesquisador e subcoordenador do Núcleo de Tanatopraxia da UFMG, a culpa não pode ser atribuída aos funerários.
“Apenas em 2021, é o terceiro caso em Belo Horizonte. Com o agravamento da COVID-19, estes profissionais estão desgastados, saturados, e as empresas funerárias deveriam investir mais em pessoal, tanto em número quanto em qualificação. O Sindicato das Empresas Funerárias de Minas Gerais (Sindinef) vem tentando orientar melhor os profissionais, mas a demanda está muito grande”, avalia José Eustáquio, que também é enfermeiro e técnico em anatomia e necropsia.
Neste período mais crítico da pandemia do coronavírus, os velórios deixaram de ser feitos em Belo Horizonte. Mesmo no sepultamento, o visor da urna pode ser aberto apenas nos casos em que a causa da morte não foi COVID-19.
Mas se a morte foi por COVID-19, a urna deve permanecer fechada. Se a doença tiver sido tratada, apesar da morte, a transmissão não vai acontecer, situação em que o corpo pode ser identificado desta forma, permitindo a abertura do visor. Para José Eustáquio, o fato de familiares não terem a oportunidade de ver o corpo piora a situação, levando uma possível troca a estágios mais avançados, como o sepultamento.
O técnico em anatomia e necropsia explica que, após a confirmação da morte, o corpo deve receber uma identificação fixada na região do tórax contendo o nome, a hora do óbito, o número do prontuário e, atualmente, se a morte foi por COVID-19.
A identificação também precisa ser feita por fora do saco de óbito, que, em caso de coronavírus, deve conter ainda uma sinalização com advertência para risco biológico de classe 3. A própria urna também recebe uma identificação.
Quando a funerária chega ao necrotério para retirar o corpo, é primordial ter atenção para conferir esta identificação, já que podem haver nomes parecidos. Mas, José Eustáquio lembra que é importante ficar atento em toda essa cadeia, já que erros de identificação podem acontecer até mesmo na enfermaria.
“Sempre falo com meus alunos que, na dúvida, não se deve fazer nada com o corpo. Neste caso, é preciso chamar a família para identificar o corpo. Mesmo em época de COVID, é possível fazer isso com segurança, chamando apenas uma pessoa, devidamente paramentada, e sem encostar corpo”, disse o pesquisador.
A qualificação dos profissionais também é importante para garantir sua integridade. Se um paciente com COVID-19 ainda dentro do período de transmissão vier a óbito, seu corpo deve ser manipulado por um profissional habilitado usando EPIs como avental (ou capote), luvas, máscara N95, óculos (ou proteção facial) e calçados fechados, de preferência emborrachados. Até o motorista da funerária deve estar devidamente paramentado, já que ele ajuda a colocar o corpo na urna.
“Ao longo desses 16 anos de pesquisa, sempre falo com os alunos que errar é humano, mas, no setor funerário, temos que fazer de tudo para evitar a troca de um corpo. O sepultamento é um componente para a aceitação da morte, e erros como o de ontem podem ocasionar traumas psicológicos irreversíveis. O luto tem várias etapas – negação, raiva, barganha, aceitação -, e esse tipo de erro acaba interrompendo o processo do luto, gerando ansiedade e depressão”, explicou José Eustáquio.
Fonte: O Estado de Minas