Observando hoje, podemos achar um pouco bizarro misturar mortos e vivos para um registro oficial, mas na era Vitoriana isso era muito comum
Vivemos inegavelmente a era da fotografia. Com os aparelhos celulares cada vez mais modernos e tecnológicos, registrar qualquer momento de nossas vidas ficou fácil, prático e rápido. E ainda tem o facebook, o Instagram e todas as redes sociais para postarmos ou publicarmos nossas fotos queridas e assim eternizá-las em nossos 15 minutos de fama, parodiando o artista pop Andy Warhol.
Mesmo com todos esse acesso às imagens, fotografar parentes e amigos depois de mortos pode parecer algo mórbido nos dias de hoje. Mas na Inglaterra da Rainha Vitoria (1837-1901), fazer imagens dos falecidos – e até mesmo juntar-se a eles no registro – era uma maneira de homenageá-los e de tentar arrefecer a dor da perda.
Em fotos que são ao mesmo tempo duras e perturbadoras, famílias posam com seus mortos, crianças parecem estar apenas adormecidas e jovens aparecem reclinadas. A morte lhes tomava a vida, mas também aumentava sua beleza – em meados do século 19, a palidez e a magreza causadas pela tuberculose eram vistas como atrativos em mulheres.
A vida vitoriana estava cercada pela morte. A expectativa de vida de um homem era de apenas 44 anos. Epidemias de difteria, tifo e cólera assolavam a Inglaterra, e o luto permanente assumido pela rainha Vitória em 1861 após a morte do marido, o príncipe Albert, fizeram das comiserações algo em voga.
Souvenir – As “lembranças” do tipo memento mori (do latim “lembre-se que você vai morrer”) tinham várias formas e já existiam em tempos pré-vitorianos.
Mechas de cabelo dos mortos eram usadas em joias e máscaras mortuárias eram criadas em cera, por exemplo.
Mas, com a fotografia se tornando cada vez mais popular e acessível, um novo tipo dessas “lembrancinhas” surgiu em meados do século 19.
Preço bom – O daguerreótipo, primeiro processo fotográfico a ser anunciado e comercializado ao grande público, era um luxo caro, mas nem de longe com preço tão salgado quanto o de ter o retrato pintado – até então, a única maneira de preservar permanentemente a imagem de alguém.
Mortos eram simplesmente colocados em frente à câmera como se ainda estivessem vivos. E frequentemente bem vestidos, para que parecessem bem em seu último “momento social”.
Mas, na medida em que cresceu o número de fotógrafos, o custo dos daguerreótipos caiu. E, em meados de 1850, surgiram procedimentos ainda menos custosos, como o uso de vidro e papel para as impressões em vez de placas de metal.
Assim, os “retratos da morte” se tornaram incrivelmente populares. Para muitas famílias, era a primeira chance de tirar uma foto conjunta, e ao mesmo tempo a última de ter uma lembrança de um ente querido.
Dois fatores, porém, logo iriam condenar a prática à extinção:
Primeiro, a qualidade dos serviços de saúde dos britânicos melhorou e aumentou a expectativa de vida da população, em especial a infantil. E o surgimento da fotografia instantânea, que permitiu que pessoas tirassem fotos uma das outras em vida, o que basicamente derrubou a demanda pelos “retratos da morte”.
Hoje, eles são apenas um lembrete de nossa mortalidade.
No Brasil – Há estudos sobre a fotografia de crianças mortas no século XIX, principalmente na cidade de São Paulo. Os “anjinhos” como eram chamadas as crianças mortas na época, eram preparadas e mortalhas brancas, com enfeites, arranjadas em urnas decoradas e então fotografadas para a posteridade. Há grande quantidade deste tipo de foto no acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo – USP.
A prática de fazer fotos dos mortos, em suas urnas, era muito comum até bem pouco tempo atrás, principalmente no sertão do Nordeste. A imagem era a “lembrança” da morte daquele ente querido. Em geral as fotos no Nordeste brasileiro eram escuras e sisudas, mesmo assim as pessoas as guardavam e reverenciavam.
Hoje nos velórios modernos no país, as fotos em vida é que são muito utilizadas, em geral para vídeos de última homenagem, onde se destacam os momentos de maior valor para a família do morto.