A India registrou um recorde global de novos casos pelo quinto dia consecutivo. Foram 320 mil novos casos de infecção nesta terça (27) e o número de mortos se aproxima de 200 mil.
Enquanto a Índia sofre com esse surto – semelhante ao que o Brasil passa -, China, Estados Unidos, grande parte da Europa Ocidental e partes da África e sudeste da Ásia registraram mortes em declínio nas duas semanas anteriores a 25 de abril.
Alguns países estão suspendendo as restrições de circulação – a União Europeia até sugeriu autorizar que os americanos vacinados possam viajar para a Europa neste verão.
Na India, por sua vez, as imagens na imprensa parecem ter sido tiradas de um filme de horror: crematórios em cidades de todos os portes da nação de 1,3 bilhão de habitantes funcionando 24 horas por dia, cremando milhares de corpos de vítimas da Covid-19, em uma representação trágica da segunda onda da pandemia.
Contudo, chama a atenção o número de óbitos por Covid-19 confirmados diante de tantas infecções. Entre os óbitos confirmados no sistema de registro civil, apenas 22% foram certificadas por um médico e apontam a causa da morte, declarou um epidemiologista na Fundação de Saúde Pública da Índia.
Essa disparidade aparece ainda na comparação entre o total de mortes por Covid-19 e o número de cremações — em algumas áreas, como na cidade de Jamnagar, no estado de Gujarat, há 100 vezes mais cremações por coronavírus relatadas do que óbitos oficiais pela doença, como mostrou levantamento feito pelo Financial Times.
O jornal também mostra que, entre seis cidades de quatro estados — Gujarat, Uttar Pradesh, Madhya Pradesh e Bihar —, pelo menos 1.833 pessoas morreram de Covid-19 nos últimos dias com base nos dados de cremações, mas só 228 (12,4%) foram oficialmente contabilizadas no mesmo período.
Qual é o tamanho da crise da covid da Índia?
Em fevereiro, com mortes por dia na casa das centenas e casos em torno de 12 mil, muitos na Índia estavam esperançosos de que o país havia escapado do pior da pandemia.
Mas o país tem relatado mais de 200 mil novos casos de covid-19 diariamente desde 17 de abril – muito além do pico anterior de 93 mil casos por dia em setembro do ano passado.
As mortes também têm aumentado – uma média de 2.336 pessoas morreram na Índia por dia na semana até 25 de abril – o dobro do número durante o pico da primeira onda. No Brasil, com uma população menor que a da Índia, a média diária da mesma semana foi 2.465, segundo dados do Conass (Conselho Nacional de Secretários da Saúde).
A situação é particularmente terrível em Delhi, onde não há mais leitos de UTI.
Muitos hospitais estão recusando novos pacientes e pelo menos dois viram pacientes morrerem depois que o suprimento de oxigênio acabou.
Para complicar a resposta ao surto, os laboratórios também estão sobrecarregados e estão demorando até três dias para devolver os resultados dos testes de covid.
Os crematórios, por sua vez, estão funcionando 24 horas.
Cenas semelhantes estão ocorrendo em outras grandes cidades. No total, a Índia confirmou quase 17 milhões de infecções e 192 mil mortes.
A enorme população do país e seus problemas logísticos tornam muito difícil fazer o teste de covid ou registrar com precisão as mortes.
Vai Piorar – “Infelizmente, nas próximas semanas a situação vai piorar significativamente”, advertem infectologistas. “Uma lição, aprendida uma e outra vez, é que um aumento nos casos leva a um aumento nas mortes algumas semanas depois”, dizem.
Mesmo se a Índia pudesse impedir a propagação do vírus, as mortes continuariam a aumentar exponencialmente, pois muitas pessoas já foram infectadas. Claro, não há sinal de que as infecções estão se estabilizando – até onde os casos continuarão a subir dependerá do sucesso dos lockdowns e do ritmo da imunização.
Quando os serviços de saúde entram em colapso, as pessoas morrem por todas as causas em um número muito maior – mortes que não se refletem nas estatísticas do coronavírus.
Além disso, as operadoras de saúde na Índia também têm desafios muito maiores para cobrir sua vasta população e muitos indianos não têm acesso a nenhum serviço de saúde.
Ameaça global – Desde os primeiros dias, cientistas e especialistas em saúde rastrearam a infecção por coronavírus movendo-se de um país para outro, impulsionada por viagens aéreas e uma economia mundial altamente globalizada.
As fronteiras nacionais têm representado até agora uma barreira muito limitada à propagação, e é impraticável – senão impossível – impor proibições de viagens e fechar fronteiras indefinidamente.
Portanto, o que acontece na Índia certamente terá repercussões por outros países, especialmente porque o país tem a maior diáspora do mundo. Além disso, o descontrole de infecções pode levar ao surgimento de variantes que, potencialmente, podem resistir a vacinas.
E as condições na Índia podem ser uma notícia muito ruim para a luta global contra a covid-19. Se o vírus tiver tempo para sofrer mutação em tais condições ideais, isso poderá prolongar e aumentar a gravidade da pandemia em todo o mundo.
Esforços internacionais estão em andamento para ajudar a Índia a administrar sua escassez crítica de oxigênio e o aumento devastador de casos da covid-19.
O Reino Unido começou a enviar ventiladores e dispositivos concentradores de oxigênio e os EUA estão suspendendo a proibição de envio de matérias-primas ao exterior, permitindo que a Índia produza mais da vacina AstraZeneca.
Vários países também estão se oferecendo para enviar equipes médicas e EPIs para ajudar.
O governo indiano aprovou planos para mais de 500 usinas de geração de oxigênio em todo o país para aumentar o abastecimento.
Mas essas são medidas para tentar prevenir mortes, não infecções.
O país pode ter tido motivos para ter esperança no início da pandemia – quando se trata de fabricação de vacinas, o país é uma potência.
Ele administra um programa de imunização massivo, fabrica 60% das vacinas do mundo e abriga meia dúzia de grandes fabricantes.
A campanha de vacinação da Índia, a maior do mundo, começou em 16 de janeiro e visa cobrir 250 milhões de pessoas até julho. Até ao momento, acredita-se que “apenas” cerca de 118 milhões de pessoas receberam a primeira dose. Isso representa 9% da população.
Fonte: O Globo / BBC