A Igreja Católica ensina a prática das obras de misericórdia: dar pão ao faminto, dar água ao sedento, acolher o estrangeiro, vestir o nu, cuidar do doente, visitar o encarcerado.
Todas essas obras estão presentes em Mt 25,31-46. A essas seis obras de misericórdia corporal se acrescenta uma sétima: sepultar os mortos. Esta última foi acrescentada pela piedade cristã na Idade Média, exatamente no tempo de uma epidemia que fez com que muitos cadáveres permanecessem insepultos pelas estradas e ruas.
Nesta semana veio a público um levantamento paradoxal: constatou-se que, durante esta pandemia de Covid-19, 107 famílias de Sorocaba foram privadas de se despedir de seus parentes em razão dos protocolos sanitários. É um paradoxo que, na Idade Média, as epidemias tenham motivado a dar sepultura cristã às vítimas fatais da doença, e que, atualmente, a pandemia seja a motivação das autoridades sanitárias para emitir protocolos de segurança que privam as famílias de dar a seus mortos uma despedida digna. É, de fato, algo que fere a alma!
Evidentemente não estou defendendo a suspensão total dos protocolos sanitários. Gostaria, porém, de chamar a atenção para alguns aspectos da vida e da morte que esta pandemia tem trazido à tona.
A obra de misericórdia “sepultar os mortos” se refere a tudo o que envolve a morte das pessoas. Atualmente, a morte é um fato escondido e uma experiência sofrida em extrema solidão. Por isso, essa obra de misericórdia corporal é tão preciosa nos dias de hoje: a morte não deve ser um momento de solidão.
Sepultar os mortos é uma obra de misericórdia porque Jesus também foi sepultado, e do sepulcro ressuscitou. Cuidamos para que todos sejam dignamente sepultados, porque temos a fundada esperança de que todos os que jazem nos sepulcros serão ressuscitados por meio de Cristo.
Acompanhar a pessoa até seu último respiro pode ajudá-la a viver a própria morte como o momento vocacional definitivo, como a vinda do Amado que vem para buscá-la, como a passagem pascal que conta com a solidariedade, o acompanhamento e a oração da Igreja.
Esta obra de misericórdia inclui, portanto, a oração e o acompanhamento das pessoas gravemente doentes e envolve a presença no velório. O velório não é algo a ser evitado nem mera manifestação de solidariedade para com o defunto e sua família. Evidentemente que mostrar afeto e solidariedade na hora da morte é coisa muito boa, mas a presença do cristão no velório não se limita à aceitação do fato da morte. Essa obra de misericórdia procura, para além da aceitação da morte, apresentar nossa última saudação ao falecido que está para ser levado à casa do Pai.
“A Igreja que, como mãe, trouxe sacramentalmente no seu seio o cristão durante a sua peregrinação terrena, acompanha-o, ao final de sua caminhada, para entregá-lo às mãos do Pai. Ela oferece ao Pai, em Cristo, o filho da sua graça e deposita na terra, na esperança, o germe do corpo que ressuscitará na glória. Esta oferenda é plenamente celebrada pelo Sacrifício Eucarístico. As bênçãos que a precedem e a seguem são sacramentais” (CatIgCat 1683).
Dom Julio Endi Akamine, arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba