Ao se transpor uma era

Ao se transpor uma era…

Uma era passa. Na pós modernidade, tudo é feito para não durar… O reino velho não pode ser reformado; é preciso criar um novo reino.

O mundo sólido funerário acabou. A atualidade impõe o mundo líquido, conceituado por Zygmunt Bauman (1925-2017), um mundo onde quem vai ser o náufrago e quem vai ser o navegador está indistinto. No entanto posso responder, que todos terão a opção de que lado se ficará.

O serviço funerário em que minha geração nasceu era envolto na fé de que nenhum interesse poderia anteceder a honra e o respeito a todos. Os princípios bem definidos que me foram repassados por meu Pai e por meus mentores, em especial pelo nosso saudoso “Voinho”, eram sólidos. Não há como negar que as prioridades mudaram, mas há um cerne eterno sob o qual os novos reinos, hão de existirem e (re)sistirem.

O ritual de passagem da funerária de pai para filho já não mais obedece a vocação nata. Hoje, mais vale o resultado comercial mais vantajoso. Nem mesmo, diante de tantas novas empresas que adentraram no mercado, podemos considerar o ritual de passagem como relevante, no contexto geral do setor. Novos reinos surgiram.

O setor funerário brasileiro se fragmentou ao crescer desordenadamente. Já não é mais uno no seu interesse nem propósitos. Não é mais possível imaginar uma grande fortaleza que a todos irá proteger. Restam quarteis a abrigar os iguais. Nem mesmo a muralha da China não pode impedir invasões, mas as divisões do seu exército conseguiram proteger todo seu território. Foi a união estratégica e a diversidade leal e sólida que protegeram o solo sagrado.

Ações conjuntas ainda serão necessárias em torno de uma entidade nacional como a ABREDIF, reduto onde a honra e a ética ainda prevalecem. Embora venha sofrendo pela entropia de alguns de seus membros, cujo objetivo maior são interesses unicamente pessoais. Prova cabal dessa constatação está no clamor de um grupo, perante a defesa da ABREDIF em relação à lei que rege o setor em ser aplicada, indistintamente a todos.

A crise de memória histórica tem levado os membros do novo reino a desrespeitarem aqueles que trouxeram o barco até aqui. Parece que o mundo de agora não permite mais pensar no futuro, menos ainda considerar o passado. Vale o imediatismo, o que tem causado medo e sordidez em uma escala nunca antes vista. Pior, este imediatismo tem levado alguns até mesmo além do estado líquido, já atingiram a forma gasosa de ser: efêmeros, inconstantes e desenraizados de qualquer tradição.

O paradoxo: sólido x líquido nos faz ver que sob a menor pressão tudo se desfaz. No novo reino ninguém resiste ao impulso de transgredir, desde que a ação lhe renda algum benefício, mas isto tem um custo. Uma conta que está aberta (fechará algum dia?) e que ninguém sabe como ou quem irá quitá-la.

“A ideia de progresso foi transferida da ideia de melhoria partilhada para a de sobrevivência do indivíduo (…) O progresso é pensado não mais a partir do contexto de um desejo de corrida para a frente, mas em conexão com o esforço desesperado para se manter na corrida.” Assim resumiu Bauman. E à luz do autor é possível ponderar que o ser humano é da guerra por instinto natural, quando não respeita os princípios de uma sociedade não alcança a paz. A paz só é encontrada na coletividade, por isto escolha seu lado e qual reino irá defender, com quem irá correr e para onde será lançado seu barco-futuro. O farol da ética possibilita o viver em paz e harmonia consigo mesmo, com seus semelhantes, com seus descendentes.

Sou Lourival Panhozzi, Diretor Funerário da gema. Quero correr e lutar do seu lado, viver com honra e a meus filhos e netos deixar um nome a se rememorar com orgulho e honra.